18 de outubro de 2025

18 de Ourubro

Outubro é o décimo mês do ano, o terceiro que começa com uma vogal, o único que se inicia com um ditongo. O mês que amanhece depois das vindimas, com os dias a encurtarem, até ao último fim de semana para que a hora mude, a caminho do solstício de Dezembro, em vésperas de Natal. O que me traz a insegura dúvida de sempre, a incerteza entre dois dias, sempre os mesmos, dezassete ou dezanove. Pois, nem um nem outro. Dezoito, que é hoje.

É sábado e é o teu dia. Alheio-me do tempo, cumpro a minha rotina. Entre as oito menos dez e as oito e dez cruzo e ponte do Freixo, para sul. Até à rotunda sul sei de cor todas as curvas, conheço todas as árvores, apercebo-me do seu rápido crescimento. Dentro dos limites do código da estrada, vou mais leve hoje, com uma ligeira excitação que me faz piscar os olhos sem noção disso. Na rotunda dos pastorinhos comprarei o jornal e tomarei café, depois descerei para a vila pela estrada de Alvega. E chegarei à mesma hora de sempre. Quase tão certo como um relógio suíço.

Faço o caminho sorrindo sozinho com o efeito inesperado da surpresa. A tua felicidade é o teu sorriso luminoso, com um ramo de flores pousado no regaço. Não dirás palavra, não farás comentários, a conversa será só nossa e ficará para mais tarde ou para o dia seguinte. Almoçaremos só os dois, ainda não sei onde. Mas talvez no fim queiras saber como terei descoberto a taberna para almoçarmos. De resto todo o tempo será pouco para ouvir as tuas histórias de vida, para aprender com elas, para saber como a humildade pode ser um caminho. Na Urtiga, à sombra de uma azinheira, com a serra estendendo-se à nossa frente. Uma estrada para uma felicidade simples e grata. No dia do teu centésimo décimo quarto aniversário. Hoje!

12 de outubro de 2025

Eleições autárquicas

Fui votar. Era meio dia. A afluência era bastante e as bichas de espera em frente às secções de voto cresciam. Mas quase tudo gente de meia idade para cima, bastante para cima. São eles, gente velha e sem emenda, que querem mudar o mundo. Os outros, os de meia idade para baixo, bastante para baixo, querem que o mundo vá para Vila Real de Trás-os-Montes, para a Avenida de Carvalho Araújo. Ora bem!

Calhou-me uma mesa só de anas, que não se meteram comigo, uma até me foi buscar um banco onde me pudesse sentar e continuar a refletir, aguardando pela minha vez. Deram-me três papeis de cores diferentes: um branco, um amarelo e outro verde. Para que, depois de feita a cruzinha, ou sem ter feito nenhuma ou de ter feito muitas, dobrasse cada um deles em quatro e os metesse nas caixas da cor correspondente. Reclamei, duplamente: ó menina, se são três papeis como é que os dobro em quatro? E como é que meto cada um na caixa da cor correspondente se for daltónico? Menina simpática, menina disponível para ajudar a dobrar os papeis e a escolher a caixa da cor certa. Não quer que lhe faça as cruzinhas no sítio certo, até tenho a caneta aqui à mão?

Muito obrigado menina, agradeço-lhe muito a atenção, como se me tivesse ajudado a calçar as meias, mas sou muito tradicional, sou muito à moda antiga. Nisto de canetas, cada um usa a sua, mesmo que não acerte no penico. Guarde a sua para mais tarde ou para melhor oportunidade. Assim por assim o presidente da câmara já vai para a reforma, tratar dos netos e gerir a magra pensão de subsistência, para saber o que custa a vida. Quanto ao resto, nem faço ideia de quem sejam os candidatos à assembleia de freguesia ou à assembleia municipal.

Tenham um bom dia e façam um bom trabalho. E ao almoço afinfem-lhe nas tripas à moda do Porto. No dia vinte e cinco já nos encontramos de novo, para eleição do regedor da segunda circular, a caminho da mouraria. Amén!

23 de setembro de 2025

O Estado da Palestina

Depois de grandes hesitações e adiamentos o governo do país acabou a reconhecer o estado da Palestina, pela voz frouxa e vacilante do ministro dos negócios estrangeiros, contrito como humilde Madalena arrependida. O primeiro ministro achou por bem demarcar-se da questão, resguardando-se a coberto do reposteiro puído de uma qualquer avença ou de um outro arranjinho qualquer, não fosse a exposição prejudicar-lhe a eleição para a junta de freguesia. Mesmo assim levantaram-se vozes contra, como a do ocupadíssimo ministro Melo, dedicado a tempo inteiro ao armamento da sua tropa fandanga e à tarefa ingente da patriótica reconquista de Olivença, há anos perdida sob domínio do maligno e porco castelhano, de onde não sopra nem bom vento nem se espera casamento limpo e próspero.

Por mim, que persisto na intenção de recolher informação e usar a razão, reafirmo a convicção de que o reconhecimento peca por tardio, muito tardio, depois de em 1947 a resolução das Nações Unidas ter aprovado a solução dos dois estados e de Israel, unilateralmente, ter proclamado a independência antes de terminado o mandato britânico sobre a região. E duvido do alcance efetivo da decisão em que, como se sabe, Portugal não avançou corajosamente, à margem da opinião fosse de quem fosse. Porque a decisão não irá, para mal da Palestina e da justiça que lhe é devida, além do simbolismo inútil e inconsequente.

Entretanto esta estrumeira a que chamam rede social, seja lá isso aquilo que for, e que não é mais que o pródigo esgoto que faz subir a conta bancária do senhor Zuckerberg, encheu-se desde logo do discurso de ódio, ignorante e grunho. De gente que, para lá dos títulos, nunca foi à escola e nunca leu um livro, apesar de dar aulas e escrever romances. Por isso, sem alterar nada e nem sequer ajustar a redação às circunstâncias, transcrevo, literalmente, uma publicação aqui feita em ápoca anterior. Pode ter alguma utilidade se atentarem nas disposições que lá se referem. Leiam-na, vão à procura dos instrumentos referidos, procurem-nos, informem-se. Não falem como papagaios. Não digam o que não sabem.

 

[9 de Dezembro de 2023]

Duas linhas sobre a Palestina

Antes de começar, deixem-me declarar que não compreendo e não aceito a violência como forma de resolução de qualquer diferendo, seja ele qual for. Se a isso entenderem chamar pacifismo, aceito o rótulo sem hesitação e sem reservas, de forma absoluta.

A 7 de Outubro passado o Hamas desencadeou uma operação de terror, de grande alcance, sobre territórios, pessoas e bens sob domínio de Israel. Matou, feriu, raptou, destruiu. A operação é obviamente condenável, sem considerandos e sem condições. Mais do que isso, reserva-se mesmo ao estado agredido o direito à defesa e à resposta. Embora possa todavia perguntar-se como foi possível planificar e executar uma acção de tal envergadura, nas barbas e sem conhecimento da inteligência israelita, considerada das mais capazes e eficientes do mundo.

Alguns dias depois o secretário-geral das Nações Unidas, o português António Guterres, apelou à contenção e afirmou que, apesar de tudo, tal acto de terror não nascera no vácuo. Não fosse o seu cargo e algum esvaziado prestígio que ainda se lhe associa e certamente ele teria sido sumariamente executado ao dobrar de uma esquina em ruinas. Assim Israel teve de limitar-se a exigir a sua demissão, a recusar vistos a funcionários daquela instituição e, por fim, a remeter-se ao silêncio sobre o assunto.

Todavia seria aconselhável que recuássemos um pouco no tempo e colhêssemos alguma informação sobre a Palestina. Por exemplo, ao fim da primeira guerra mundial e à entrega daquele território ao mandato britânico em 1922, pela Sociedade das Nações, percussora das Nações Unidas. E, depois disso, ao anúncio britânico, em 1947, de que abandonaria o território e deixaria às Nações Unidas a decisão sobre o seu futuro. E, ainda, à criação consequente, no mesmo ano, do Comité Especial das Nações Unidas para a Palestina. Este comité apresentou dois relatórios, um deles preservando a unidade territorial dotando Jerusalém de um estatuto especial e outro, que colheu maior número de apoios, defendendo a partilha em dois estados, um árabe e outro judeu.

É neste contexto que é aprovada, em 29 de Novembro de 1947, a resolução 181 das Nações Unidas, conhecida como Plano de Partição da Palestina, desenhado no abrigo dos gabinetes, sobre a mesa de negociações, ao arrepio das populações residentes e interessadas e que viria a ter os resultados catastróficos que ainda hoje persistem sem fim à vista. No meio de uma guerra não declarada, ainda sob o mandato britânico, a poucas horas do fim deste, em 14 de Maio de 1948, é autoproclamado o estado de Israel e, em consequência, uma grande parte da população palestiniana é expulsa de suas casas e passa ao regime de refugiada.

Em Dezembro de 1948, em contexto de guerra israelo-árabe, é aprovada nova resolução, estabelecendo o direito de retorno dos refugiados palestinianos e as Nações Unidas virão a encarregar-se da supervisão dos diversos acordos do armistício entre Israel e a Jordânia. Síria, Líbano e Egipto.

Em 1967, no seguimento da chamada guerra dos seis dias, é aprovada a resolução 242 estabelecendo a inadmissibilidade de aquisição de território em resultado da guerra e estabelecendo a obrigatoriedade da retirada de Israel dos territórios ocupados, não cumprida até aos dias de hoje, embora estes princípios tenham sido reforçados em 1973, através da resolução 338.

Em 1977 a Assembleia Geral das Nações Unidas, reconhecendo a ocupação da Palestina por Israel e o direito do povo palestino à autodeterminação, recomenda o dia 29 de Novembro como o Dia Internacional de Solidariedade com o Povo Palestino. Em 1988 o Conselho Nacional Palestino aprova em Argel a declaração de independência da Palestina, aceitando implicitamente o estado de Israel e a partilha do território em dois estados. Em 1993 os acordos de Oslo permitiram uma breve nesga de esperança que rapidamente se desvaneceu.

Agora, no seguimento dos acontecimentos de 7 de Outubro, que se devem condenar frontalmente e sem subterfúgios, deve também reconhecer-se a Israel o direito de se defender. Devendo contudo entender-se que esse direito não pode compreender rechaçar o agressor, persegui-lo, invadir-lhe a casa, matar-lhe a família e os vizinhos, destruir-lhe a habitação e privá-lo dos mais básicos direitos de subsistência e de dignidade. Ou seja, extinguir-lhe a raça, expurgá-la da superfície do planeta. Ontem a civilização humana foi afundada de todo nas Nações Unidas, não a sempre invocada civilização ocidental, mas a civilização em sentido lato, decorrente de toda a evolução da espécie, desde o australopithecus. Com o seu incompreensível e inaceitável direito de veto os Estados Unidos da América associaram-se ao mais evidente crime contra a humanidade: o genocídio do povo palestino.

22 de setembro de 2025

Entretanto é Outono

Aqui estou eu, hoje, 22 de Setembro de 2025, debruçado à janela. Vendo esfumarem-se como nuvem passageira os últimos momentos de Verão, arrastados por um suave e fresco vento norte. Aqui esperarei pacientemente e farei a contagem degressiva dos últimos minutos até, precisamente, às 18:19. E nesse instante, só nesse, poderei ver, claramente visto, o diáfano sortilégio do equinócio, com o sol transpondo o Equador para sul, a caminho do solstício de Inverno. E será Outono.

Amanhã amanhecerá Outono, com um sol brando, quase quieto de vento, com o dia aspirando uma cálida brisa marítima, vinda de ocidente, cheirando a humidade e a maresia. O barco sulcará lentamente o rio, subindo-o na esperança de lhe descobrir a nascente, expondo-lhe de forma exuberante as margens ásperas e escarpadas. Os socalcos estarão cobertos daquele ouro magnífico que chega sempre depois da vindima feita. Quando o mosto já se agita nas cubas, no promissor início da fermentação alcoólica. Até que se faça a prova, pelo São Martinho. Só daí para diante será o flagrante delitro. Entretanto é Outono!

9 de setembro de 2025

Minha Mãe, dezoito anos

Pois, podia ser assim, mas não é. A dor e o sofrimento não têm convenções nem obedecem a regras. Não fazem ideia do que seja o código civil nem do que estabelece. Esta imensa dor que me deixaste já me ficou assim: enorme e de maioridade. E apesar disso não deixou de crescer a cada dia, a cada momento, como se pudesse ser sempre maior, sem nada que a limite ou a impeça de crescer. De forma que não tem nenhum sentido especial o facto de hoje se cumprirem dezoito anos. Não representa maioridade nenhuma. A maioridade vem do primeiro dia e persegue-se em cada dia seguinte, sem nunca se atingir. E assim vai continuar, enquanto eu souber contá-los.

Na manhã fina de Setembro ainda se desmontam os enfeites da Festa Grande e se recolhe o engelhado colorido do papel de seda esvoaçando ao vento. Para que ainda possa servir para o ano que vem. Só há velhos no recinto da igreja cujo restauro minga à falta de vontades e de recursos. E apesar disso não há ninguém que se reconheça à sombra dos carvalhos onde repousam andares carregados de bolos e de notas de cem escudos. Nem o azul deslumbrante do olhar da gata atravessa o adro e enche a nave cheia da igreja. A freguesia não tem pároco e as chaves da igreja repousam na algibeira do sacristão ou das zeladoras que renovam as flores naturais que adornam o altar. Já ninguém vem ao teu encontro, já ninguém sabe quem eu sou. Nem sei se a fotografia do teu abraço repousa ainda na cozinha da gata, ao lado do forno onde se cozem os bolos. Mas na minha memória tudo continua nítido como se fosse ontem.